terça-feira, 15 de setembro de 2009

Histórias de Vida

Por Luciene C. Miranda

Um bem de valor inestimável que carregamos sempre conosco é nossa própria história de vida. Lembranças do nosso percurso por uma estrada cheia de curvas, sinalizações, belas paisagens, buracos na pista, lugares onde o sol está de rachar, noutros onde caem tempestades e trovoadas…

A história de vida de cada pessoa é única, por mais que as pessoas convivam juntas é impossível que as duas carreguem a mesma história, pois além de acontecerem situações diferentes cada um pode interpretá-las de uma maneira. Por exemplo, uma mulher pode ter belas recordações sobre a sensação do momento em que teve um filho, enquanto que outra pode focar sua lembrança nas dores horríveis que vivenciou naquele momento.

À medida que envelhecemos, percorremos mais quilômetros nesta longa estrada, adquirimos experiência e, consequentemente, vamos acumulando uma história de vida mais longa. Muitos idosos sentem grande prazer em compartilhar com os outros suas experiências de vida. Há poucos dias, conversei com uma senhora de oitenta e poucos anos, que eu não conhecia. Lúcida, muito simpática e com vontade de conversar, veio logo contar como havia conhecido seu marido, falecido há alguns anos. Logo fui me enveredando pelos detalhes da história, que, além de uma bela história de amor, trazia dados relativos aos costumes do Brasil há mais de sessenta anos: o "flertar", o fato de pretendentes a namorados pedirem permissão aos pais da moça para namorar, a recém-inserção da mulher no mercado de trabalho, as roupas da época, dentre outras características que modificam-se com o passar dos anos.

Uma outra coisa me chamou a atenção: ela relatou suas histórias com tanta alegria e entusiasmo, que em momento algum deixou transparecer tristeza pela perda do marido; transmitiu a saudade de alguém que até hoje marca presença em sua vida, que dividiu por muitos anos sua história de vida. A foto do casal pendurada na parede da sala, permite aos que chegam ali ver com seus próprios olhos uma história de amor que teve princípio, meio e fim. Porém o relato desta história de vida faz com que este fim pertença apenas ao domínio real, já que na esfera do simbólico esta história continua existindo em lembranças vivas e relatos afetuosos.

Infelizmente, muitos idosos não gostam ou não têm oportunidade de compartilhar sua história de vida, já que nossa sociedade acaba deixando os idosos em segundo plano e considera este tipo de atitude saudável como constante divagação repetitiva. As pessoas esquecem que o idoso pode ser um livro vivo de sua própria história e da história de um povo, de um país, de uma sociedade que viveu muitos anos e vivenciou muitos acontecimentos, alguns de grande importância para a história da humanidade.

É importante estimularmos este tipo de relato nos idosos, já que todos podem se beneficiar com esta interação. Importante ressaltar que na Doença de Alzheimer a memória de longo prazo é a parte da memória que fica preservada por mais tempo, por isto estimular o relato da história de vida é uma forma de manter este segmento da memória que ainda funciona ativo. Talvez, a partir do relato da história de vida do outro que nos situamos em nosso contexto histórico, ou mesmo que nos descobrimos como seres contemporâneos de um tempo diferente, porém que ainda carregam marcas deste passado que outrora foi presente de muitos outros, que ainda vivem conosco no nosso presente.


 

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