segunda-feira, 14 de setembro de 2009

LIVRO TRAZ DEPOIMENTOS DE BRASILEIROS COM MAIS DE 70 ANOS E MUITOS PLANOS PELA FRENTE



viver para contar


Benedito Sbano tem 81 anos e é "homem de um emprego só". Ele tinha apenas dez anos quando pisou em um picadeiro por influência do pai, um ator de teatro mambembe. Não saiu mais. Há sete décadas, faz da maquiagem e do nariz vermelho seu uniforme de trabalho em Guaratinguetá, interior de São Paulo.

Apresenta-se em circos, teatros, escolas e clubes, sem planos de se aposentar e criando novas caretas a cada vez que se olha no espelho.

A 280 quilômetros dali, na também paulista cidade de Sorocaba, Ondina Maneli Rodrigues, 75, aposentou-se como costureira e, quando achava que iria passar o resto dos seus dias à toa na vida vendo a banda passar, descobriu uma nova atividade.

Há 20 anos, trabalha das 6h à meia-noite administrando a farmácia comunitária que surgiu em um cômodo de sua casa. Ondina começou ajudando um casal de velhinhos que se confundia com os medicamentos e hoje faz mais de mil atendimentos por mês.

Esses depoimentos estão no livro "Mestres do Tempo: Relatos do Século XX Para Viver o Século XXI", (ed. Gente, 128 págs., R$ 69,90), com lançamento previsto para hoje às 16h no Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena. "O Brasil não valoriza os mais velhos. Eu quis mostrar a sabedoria dessas pessoas", afirma a autora, Alessandra Garcia Trindade, que trabalha como consultora cultural.

Nas páginas da obra, idosos ilustres como dona Canô, 101 (mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia), o compositor Paulo Vanzolini, 85, e a artista plástica Maria Amélia Arruda Botelho de Souza Aranha, 91, aparecem ao lado de anônimos.

É o caso do sorveteiro paulistano José da Costa Silva, 89. Ele foi alfabetizado no ano passado e, entusiasmado com a conquista, decidiu não sair mais da escola. Além das aulas convencionais, faz curso de canto e de artesanato.

A coletânea de biografias é o resultado de um ano de andanças pelo país à procura de boas histórias. "Viajei aos locais mais remotos, como o Bico do Papagaio, no Tocantins. Onde havia mestres do tempo, lá estávamos eu e o Drago", diz a autora.

Drago é o apelido de Victor Dragonetti Tavares, o fotógrafo do projeto. Hoje com 18 anos, ele foi escolhido quando tinha apenas 16. "Queria que as imagens tivessem o olhar de um jovem, para que os mais novos também se identificassem com a obra", explica Alessandra.

Após um ano clicando fisionomias enrugadas, Drago percebeu que idade é apenas um "dado estatístico", que não atrapalha os planos de quem insiste em viver. "Eu me sentia muito mais velho que eles, que têm mais sonhos e ambições do que eu", conta o fotógrafo.

E coloca ambição nisso: Geralda de Araújo, 71, ousa saltos inusitados de asa-delta; Raimunda Gomes da Silva, 69, viaja o mundo defendendo as catadoras de coco; João Borba, 74, está lançando seu primeiro CD; e o professor Hermógenes, 88, continua dando aulas de ioga em sua academia. Gente sem nenhuma pressa de se aposentar.


superação

A caçula do livro, Raimunda Gomes da Silva, 69, já viajou para Canadá, França, Bélgica, Estados Unidos e China como representante brasileira dos trabalhadores rurais e das quebradeiras de coco. Ninguém poderia imaginar isso da menina que nasceu em um povoado do Maranhão e, em vez de frequentar a escola, foi para a roça desde pequena. Casou-se muito nova e, aos 33, mãe de seis filhos, se viu abandonada pelo marido.

Foi quando Raimunda decidiu reagir e construir uma outra história. Começou a atuar como líder comunitária, aos 47 anos tirou o RG e o CPF para a primeira viagem e, desde então, não sai mais da estrada. Ela representa cerca de 400 mil mulheres de Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins que sustentam as famílias com a renda obtida com a quebra do coco-babaçu.



talento

João Borba era um paulistano de 18 anos, tocador de surdo (instrumento musical, um tipo de tambor), no dia em que o cantor que iria se apresentar no baile de Carnaval faltou. Apaixonado por rádio, logo foi chamado para substituir o oficial. Surgia, ali, um profissional de bailes, gafieiras e casas noturnas, além de compositor de sambas-enredo e artista internacional, com oito shows em Paris.

Hoje, aos 74 e à espera de seu primeiro CD, continua sendo visto em bares de São Paulo, cantando em samba a história de regiões como a Mooca e a Sé.

Fonte:http:Revista da Folha - Folha de São Paulo 13/09/2009

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